Vai ser difícil escrever a história das últimas décadas no Brasil sem ilustrá-la com a arte de Elifas. Pegue a música, por exemplo. Foram raros os artistas editados nesse período que não tiveram o privilégio de se verem retratados por sua mão suave. Suave? Nem sempre.

Aí é preciso passar os olhos cuidadosamente pela interminável coleção de cartazes que ele criou para o teatro brasileiro .Se nas capas de discos o que vemos é o artista delicado, sutil, dos cartazes feitos para os anos de chumbo da censura emerge um Elifas duro, intransigente.

 

OS DIREITOS DA CRIANÇA

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                        Um operário em demolição
                         (para o pedreiro Amarildo)

Um "operário em demolição". É assim que chamo este tosco manifesto em memória do pedreiro Amarildo, torturado e morto na Unidade Pacificadora da favela da Rocinha.

De 8 de outubro a 10 de novembro estarão expostas as telas que fiz para o poema "O Haver" em homenagem ao centenário de nascimento de Vinícius de Moraes no Centro Cultural da Caixa em Salvador.

Vinícius tem um outro magnífico poema. "Operários em Construção", lembrança e inspiração para mais uma tragédia diante da qual não posso me calar. E como disse Picasso quando fez sua Guernica: Luto com as armas que tenho, pincéis, tintas e muita indignação.

O trabalho mais exemplar de seu extenso portfólio teatral é o cartaz para Mortos Sem Sepultura, de Sartre. A ambientação é a França de Vichy, mas para nós, que tentávamos romper a treva da ditadura militar, não havia dúvidas: Elifas tinha pintado o retrato do Brasil.

E ainda há o Elifas da literatura. E o militante da imprensa nanica, que ficará para sempre nas capas de Movimento, Opinião, Argumento e tantas outras publicações do jornalismo que resistiu à ditadura.

Por trás de todo esse trabalho está sua enorme capacidade criativa, que se soma a um ecletismo surpreendente: quem tenta identificar a influência de um Dali, por exemplo, no surrealismo de um retrato de Caetano Veloso, logo vai achar que está vendo Milton Glaser nas capas que fez para a antológica História da Música Popular Brasileira da editora Abril.

Mas não é nada disso. Nem Dali, nem Pushpin, nem Andy Warhol. É apenas um dos maiores artistas brasileiros, Elifas Andreato.

Por Fernando Morais, escritor.

Elifas Andreato mudou a capa de discos no Brasil. De simples embalagem até discrepante de seu conteúdo – com as habituais exceções que sempre confirmam as regras – a capa de discos ganhou vida nas mãos operárias desse filho de lavrador. Aliás, só um artista que veio do povo como ele poderia ter trazido para este assessório típico da era industrial o que até então lhe faltava: a emoção.

Elifas não tem falsos pudores. Suas capas levam o riso e a lágrima sem esconder sentimentos.

Quem não se lembra daquela célebre capa de Paulinho da Viola no choro (e não tocando choro) em Nervos de Aço? E as pegadas da telúrica Clementina de Jesus impressas na areia de Clementina e Convidados? Quem não viajou no vagão ferroviário hiper-realista da Ópera do Malandro, de Chico Buarque?

É possível sentir os discos antes, durante e depois da audição apenas contemplando ou mesmo apalpando os trabalhos. A capa e o encarte, os cartazes e, mais adiante, a própria produção e até algumas canções dão o testemunho de um artista que se envolve por inteiro com a música.

Não é aquele profissional frio que mede cada gosto com uma calculadora de bolso. O Elifas está lá, jogando bola com os artistas, batendo uma sinuquinha, dividindo uma cerva, num abraço fraterno. Num País leva-vantagem, optou, ao longo de sua farta e diversa carreira, pela liberdade de opinar sempre, através de sua arte compromissada apenas com a humanidade.

Tárik de Souza, crítico musical

 

It is going to be difficult to write the history of recent decades in Brazil without illustrate it with Elifas´ art. Take music, for example. There are few edited artists in this period who have not had the privilege of being treated for his gentle hand. Easy? Not always.

We must take a look carefully through the endless collection of posters he created for the Brazilian theater. If on the cover of records we see the artist as delicated, subtle, from the posters he made for the terrible years of censorship we see a hard and uncompromising Elifas emerging. The working copy of his most extensive portfolio is the theatrical poster for "Men Without Shadows" by Sartre. The ambiance is Vichy´s France, but to us who tried to break through the darkness of dictatorship, there was no doubt: Elifas had painted a portrait of Brazil.

And there is still the Elifas from literature. And the militant from the small press, who will be forever in the covers of "Movimento", "Opinião""Argumento" and many other publications of journalism who resisted the dictatorship.

Behind all this work, it is his great creative ability, which is added to a surprising eclecticism: who tries to identify the influence of a Dali, for example, in a surreal portrait of Caetano Veloso, soon will think that they are looking at Milton Glaser on the covers done for the anthological "History of Brazilian Popular Music", published by Editora Abril (publishing house).

But that is not it. Neither Dali nor Pushpin nor Andy Warhol. It is simply one of the greatest Brazilian artists, Elifas Andreato.

Fernando Morais, writer.    
 

Elifas Andreato changed the cover of records in Brazil. From simple packaging to the discrepant of their content - with the usual exceptions which always confirm the rules - the cover of records gained life in the hands of this peasant worker´s son. Moreover, only an artist who came from the people could have brought what was missing from this typical accessory of the industrial era: the excitement.

Elifas is not false modesty. His covers contain laughter and tears with no hide feelings.

Who does not remember that famous cover of Paulinho da Viola crying in “Nervos de Aço”? And the telluric Clementina de Jesus´ footprints on the sand in “Clementina e Convidados”? Who has not traveled in the hyper-realistic railway wagon in “Opera do Malandro” by Chico Buarque?

You can sense the records before, during and after the hearing just by contemplating or touching his works. The cover and insert, posters and later, his production and even some songs give the testimony of an artist who engages in full with the music.

He is not that cold professional measuring every taste with a pocket calculator. Elifas is there, playing ball with
the artists, playing snooker, sharing a beer in a brotherly hug. In a country leaded to each one´s own benefit, he has chosen, throughout his extensive and varied career, the freedom to express through his art committed only with humanity.

Tarik de Souza, music critic